Não raras vezes deparamo-nos com a seguinte decisão proferida pelos Tribunais Estaduais ou Federais de segundo grau, ao final das decisões que inadmitem Recursos Especiais: “Alerto que esta Presidência não conhecerá de eventuais embargos declaratórios opostos contra a presente decisão. Isto porque o E. Superior Tribunal de Justiça já consagrou entendimento no sentido de que os embargos de declaração opostos contra decisão de inadmissão de recurso especial não têm o condão de interromper ou suspender o prazo recursal, uma vez que o único recurso cabível contra tal despacho é o agravo em recurso especial”[1].

O fato é que, à vista do da dicção do art. 1022 do Código de Processo Civil[2], a pergunta que se coloca é: é legítimo que a jurisprudência estabeleça, com todo respeito, contra legem, o caráter não embargável, bem assim, irrecorrível em determinado aspecto, já que a natureza dos embargos é recursal?

Em nosso entender, a resposta é claramente: não.

Com a superveniência do Código de Processo Civil de 2015, até as questões mais tormentosas a esse cabimento, como a natureza da decisão (se ordinatória, com cunho decisório, interlocutória ou definitiva etc.) foram aplacadas com a dicção inconteste do art. 1022, em que, para a legislação processual civil em vigor, são oponíveis diante de “qualquer decisão judicial”. Ou seja, oponível perante qualquer pronunciamento judicial. Assim deveria ser.

Até porque, nos parece não haver sentido que o sistema permita que decisões omissas, contraditórias ou obscuras possam subsistir sem que sejam impugnadas pelas partes, para afastar esses defeitos que, em última análise, para além de macular o pronunciamento jurisdicional em relação sua correta compreensão e assertividade de conteúdo, podem comprometer gravemente sua finalidade e, assim o fazendo, representariam a própria denegação da prestação jurisdicional, algo, isso sim, inadmissível à vista da própria Constituição Federal, que tutela como direito e garantia fundamental o acesso à justiça (art. 5º, XXXV).

E, ainda que saibamos que o recurso de embargos de declaração não tenha propriamente, por natureza, o efeito substitutivo (natural à maioria das figuras recursais), senão integrativo, é certo que a ausência do seu manejo, quando necessário, já teria o condão de repercutir no mérito do julgamento, de modo que, apenas o seu não conhecimento (por intempestividade) é que poderia, sob a ótica legislativa em vigor, retirar-lhe a eficácia interruptiva, nenhum outro fator.

A incoerência se fortalece perante a existência, ainda, do Enunciado nº 75 da I Jornada de Direito Processual Civil do Conselho da Justiça Federal, que acontece sob o guarda-chuva do próprio Superior Tribunal de Justiça, cuja dicção literal é: “cabem embargos declaratórios contra decisão que não admite recurso especial ou extraordinário, no tribunal de origem ou no tribunal superior, com a consequente interrupção do prazo recursal”.

Ora, o referido enunciado está inserido no grupo de trabalho sob o título “Recursos e precedentes judiciais”, cujo presidente é o Ministro Humberto Martins, e então atual Presidente do próprio Superior Tribunal de Justiça, para o biênio 2020-2022.

Como compreender, a partir de então, o entendimento do STJ ao tratar como “manifestamente incabíveis” os embargos de declaração contra decisão que nega seguimento ao Recurso Especial?

Nessa altura dos pensamentos, há quem possa cogitar a raridade de ocorrência de circunstâncias que ensejam a oposição dos aclaratórios nesse tipo de decisão. No entanto, são vários os exemplos, a saber, a decisão que inadmite pela alínea ‘a’ do dispositivo constitucional e nada fala quanto aos argumentos da alínea ‘c’, ou pior, quando ‘fundamenta’ a inadmissão em argumentos não esposados na minuta recursal, o que, infelizmente, acontece!

Diante disso, o que se esperaria com naturalidade era a possibilidade de se utilizar de uma ferramenta recursal valiosíssima, mas o que se tem na verdade, é um impedimento desarrazoado que, em nosso sentir, muito provavelmente está apoiado na tentativa vã de reduzir o número de feitos nos Tribunais. Novamente uma jurisprudência construída, muito provavelmente, no desenho de um conglomerado massivo e volumosíssimo nas instâncias superiores da jurisdição pátria.

Novamente, uma solução imprópria para um problema próprio, não gera solução, senão outros problemas em desdobramento, além da indignação, in casu.

Conhecer e saber manejar as questões tormentosas da casuística processual gera reflexo direto no resultado de um bom trabalho de contencioso. Nós, da Carvalho e Nishida, buscamos incessantemente as melhores estratégias para a solução dos conflitos dos nossos clientes, de modo a lhes assegurar os melhores resultados processuais possíveis.

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[1] Citando os seguintes julgados: AgInt no AREsp 1599563/RJ, 3ªTurma, Relator Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, in DJe de 03.11.2021;AgInt no AREsp 1875740/RJ, 4ª Turma, Relator Ministro Luis FelipeSalomão, in DJe de 28.10.2021; AgInt nos EDcl no EAREsp 1632917/SP,Corte Especial, Relator Ministro João Otávio de Noronha, in DJE de11.03.2021 e AgInt no AREsp 1703448/RS, 4ª Turma, Relatora MinistraMaria Isabel Gallotti, in DJe de 11.02.2021).

[2]“Art. 1.022. Cabem embargos de declaração contra qualquer decisão judicial para: …” (Saliências e grifos nossos);