No dia 31 de janeiro de 2024, através de ofício-circular[1] encaminhado aos entes supervisionados e publicado no Diário Oficial da União, a Superintendência de Seguros Privados (Susep) estabeleceu um prazo de 120 (cento e vinte) dias para adequação do setor de seguros quanto a obrigatoriedade da inclusão de um campo específico do nome social em todas as propostas, apólices, certificados, títulos e demais documentos contratuais emitidos aos clientes.
Uma vez cumprida referida obrigação pelos entes supervisionados (sociedades seguradoras, sociedades de capitalização e entidades abertas de previdência complementar), as evidências documentais dessa implementação precisam ser encaminhadas à Susep (Processo SUSEP n° 15414.647492/2023-10), visto a necessidade de atendimento da Recomendação nº 10/2023, expedida pela Procuradoria da República no Estado de São Paulo, Ministério Público Federal, nos autos do Inquérito Civil nº 1.34.001.000433/2021-54[2].
E mais, segundo o ofício-circular, a existência desse campo específico “decorre do tratamento adequado e ético aos clientes, conforme art. 3º, § 1º, II, da Resolução CNSP nº 382, de 4 de março de 2020[3], e se destina a assegurar a proteção da dignidade humana, dos direitos da personalidade, da honra, da integridade moral, da igualdade, da liberdade, da privacidade, vedação de práticas lesivas degradantes e de discriminação odiosa, todos fundamentados no texto constitucional”.
Apesar dessa obrigatoriedade, no mercado de seguros, ter vindo somente agora, desde 2016, com o Decreto N.º 8.727[4], no Brasil já havia sido promulgado o uso do nome social no âmbito da administração pública federal direta, autárquica e fundacional, motivo pelo qual, nos documentos oficiais, o nome social, se requerido expressamente pelo interessado, deveria acompanhar o nome civil.
Porém, essa demora na obrigatoriedade não significa que a utilização do nome social não era uma prática adotada anteriormente pelas seguradoras. Pelo contrário, como a regulamentação da SUSEP tratava de elementos mínimos a serem observados na emissão de apólices e certificados de seguro, não havia qualquer restrição para que fosse adicionado o nome social, caso o segurado solicitasse.
Isso se deve até mesmo pela necessidade das seguradoras e insurtechs buscarem, cada vez mais, um ambiente inclusivo e se movimentarem no sentido de combater toda a forma de discriminação e de respeito a diversidade. Assim, para as entidades seguradoras que já adotavam essa prática do nome social, sendo até mesmo algo incentivado pela Confederação Nacional das Seguradoras (CNseg)[5], essa obrigatoriedade vinda do órgão regulador apenas corrobora essa conquista social.
Aliás, com o objetivo de apoiar a inclusão da comunidade LGBTQIAPN+, a CNseg já havia disponibilizado materiais que tratavam não apenas da inclusão do nome social dentro e fora das empresas, como também orientações sobre o tratamento das informações do segurado e estratégias para garantir este direito, através do “Guia sobre Nome Social”[6] e da realização do webinar “Diversidade em Seguros: a Inclusão LGBTQIAPN+” em junho do ano passado[7].
Feito breve relato, surgem algumas indagações. O que é o nome social? Para que serve? Qual a sua diferença do nome civil?
Segundo o artigo 16, do Código Civil, “toda pessoa tem direito ao nome, nele compreendidos o prenome e o sobrenome”. Disso se extrai que o nome civil ou o nome de registro é um direito da personalidade que identifica a pessoa natural perante terceiros. Aliás, mais do que um direito, é um dever também, por ser de interesse coletivo e social a identificação das pessoas, visto que é por essa identificação que serão procuradas e/ou processadas.
Porém, em alguns casos as pessoas não gostam de seu nome de registro (difícil pronúncia, excessivamente criativo, causador de constrangimento…), em outros é o nome pelo qual são amplamente conhecidas no meio artístico ou de trabalho ou, mais do que isso, não se identificam com o nome que foram registradas, por não representar o gênero com o qual se identificam.
Como solução mais simples para esse problema, sem a necessidade de retificação do registro civil e do processo para isso exigido, por vezes burocrático e doloroso, acabam-se adotando nomes sociais. Aliás, sobre a dificuldade na retificação do nome, em março de 2018, o Supremo Tribunal Federal[8] reconheceu a importância de se retirar a obrigatoriedade da cirurgia e da solicitação judicial para a retificação do nome, bastando a autoidentificação como transgênero junto ao cartório.
Isto posto, pela Recomendação 10/2023, “o nome social é a designação que o indivíduo escolheu para lhe representar diante dos demais, por entender que o nome constante em seus registros oficiais não condiz com sua personalidade e identidade de gênero”. E mais, seria uma forma de garantir a cidadania, a dignidade da pessoa humana e o respeito às diferenças, além de representar uma medida fundamental para a redução de práticas discriminatórias, promovendo a isonomia e adequação do indivíduo ao meio social.
Nós, da Carvalho Nishida, sabemos da importância de se combater a discriminação social, cabendo ao Estado, e porque não à sociedade como um todo, assegurar instrumentos adequados para a proteção de toda e qualquer forma de tratamento desumano ou degradante contra quaisquer pessoas. A utilização do nome social surge, assim, como uma medida destinada exatamente a assegurar a proteção da dignidade humana e inibir a prática de posturas que denotem uma discriminação odiosa, garantindo que todas as pessoas possuam documentos compatíveis com sua identidade, não sejam submetidas a situações de constrangimento e que sejam tratadas com respeito.
_____________________
[1] https://www.in.gov.br/web/dou/-/oficio-circular-eletronico-n-1/2024/dir2/susep-540414844
[2] https://www.editoraroncarati.com.br/v2/phocadownload/recomendacao_mpfsp.PDF
[3] https://www.in.gov.br/web/dou/-/resolucao-n-382-de-4-de-marco-de-2020-247020888
[4] https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2016/Decreto/D8727.htm
[5] https://youtu.be/T3uQxLpZV4w?si=pmEHoFfZU-yQuFeb
[6] https://cnseg.org.br/noticias/mes-do-orgulho-lgbtqiapn-c-nseg-lanca-guia-sobre-nome-social
[7] https://www.sonhoseguro.com.br/2024/01/industria-seguradora-tera-120-dias-para-incluir-campo-especifico-para-nome-social-em-apolices-e-contratos/
[8] https://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=371085