Desde os debates e estudos que antecederam a entrada em vigor do Código de Processo Civil de 2015, pautava-se a necessidade de revisão e reflexão acerca da crescente ocorrência da então nomeada “jurisprudência defensiva” no Superior Tribunal de Justiça, querendo esta designar o excessivo uso de argumentos e análises formais a serviço de barrar o conhecimento dos temas levados àquele Superior Tribunal e com isso, filtrar e reduzir casos aptos à apreciação do mérito recursal. O argumento da ausência de comprovação do feriado local sempre foi um tema atrelado a esta espécie de jurisprudência.

Portanto, com o advento do então novo Código de Processo Civil, enxergou-se oportunidade de se colocar “os pingos nos ‘is’” em relação a essa temática, tanto que passou a haver disciplina ostensiva na lei formal em vigor, art. 1003, parágrafo 6º, como regra geral de admissibilidade recursal, a comprovação do feriado local.

No entanto, o que ainda fomenta o debate nos dias de hoje, é o fato de haver dissenso sobre a regra posta, no Superior Tribunal de Justiça.

Isso porque, em julgados relativamente recentes, o STJ, a nosso ver, deu tratamento distinto a situações que, em tese, mereciam tratamento igualitário.

No julgamento do AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL Nº 1.481.810 – SP[1], de maio de 2019, sob relatoria do Min. João Otávio de Noranha, entendeu o STJ pela estrita aplicação do art. 1003, parágrafo 6º, do CPC, considerando in casu, a intempestividade do recurso especial sob análise pela ausência de comprovação de feriado local, citando ostensivamente o entendimento de que a segunda-feira de carnaval não é feriado forense, dada a ausência de previsão em lei federal (o que de fato procede).

No entanto, o mesmo STJ, ao apreciar o RECURSO ESPECIAL Nº 1.813.684 – SP[2], modulando efeitos, entendeu de forma diversa a interpretação do feriado local da segunda de carnaval, concluindo pela conotação no senso comum, de forma notória, de feriado nacional, e assim o fazendo, flexibilizou leitura antes feita na mesma senda, já que este julgado data de outubro de 2019, posterior àquele citado no parágrafo acima, com desfecho e interpretação diversos, sobre o mesmo ponto.

Diante disso, a questão que se ventila para reflexão é onde reside o problema, porque sem dúvida, há um problema.

Para muito além da divergência de posicionamentos, estamos a debater e refletir um exemplo, que a nosso ver, demonstra minimamente, a fragilidade do que se considera, ainda hoje,  precedente no ordenamento processual civil brasileira, notoriamente com muitos pontos de estudo e melhoria para atingir o objetivo buscado pelo Código de Processo Civil de 2015, que o fortaleceu e pretende (pretendia) a título de unificação de entendimentos (essência maior do sistema de precedentes), sobremaneira no Superior Tribunal, como mecanismo de prestação jurisdicional segura, dentro de um sistema democrático de direito, e também útil, no sentido de refrear a rediscussão de questões previamente definidas.

Claro que nestas brevíssimas linhas não se propõe qualquer definição ou encerramento acerca da abrangência deste debate, senão e apenas jogar luzes a uma questão importante que afeta, acima de tudo, em nossa opinião, a segurança jurídica e a isonomia.

Reforça-se, com isso e uma vez mais, o compromisso da Carvalho e Nishida, como ente preocupado e atuante na reflexão das questões processuais que ainda merecem bastante estudo e desenvolvimento em prol de um sistema processual civil de qualidade.

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[1]O recurso é, pois, manifestamente intempestivo, porquanto interposto fora do prazo de 15 (quinze) dias úteis, nos termos do art. 994, VIII, c.c. os arts. 1.003, § 5.º, 1.042, caput, e 219, caput, todos do Código de Processo Civil. A propósito, nos termos do § 6.º do art. 1.003 do mesmo código, “o recorrente comprovará a ocorrência de feriado local no ato de interposição do recurso”, o que impossibilita a regularização posterior. A segunda-feira de Carnaval, a Quarta-Feira de Cinzas, os dias que precedem a Sexta-Feira da Paixão e o de Corpus Christi não são feriados forenses, previstos em lei federal, para os tribunais de justiça estaduais. Caso essas datas sejam feriados locais, deve ser colacionado o ato normativo local com essa previsão, por meio de documento idôneo, no momento de interposição do recurso.”

[2]FERIADO LOCAL DESCARACTERIZADO. EVIDENTE TEMPESTIVIDADE RECURSAL. CONHECIMENTO DO RECURSO.1. É ilegal e carente de mínima razoabilidade, a violar o devido processo legal, o entendimento adotado nesta Corte de considerar o consagrado feriado da segunda-feira de Carnaval, de abrangência nacional, como um possível feriado local que necessita de comprovação. 2. Feriado local é aquele que suspende o expediente forense em âmbito restrito a determinada localidade ou mesmo a certas regiões do País, pelo que, em relação a estes, não se pode exigir desta Corte Superior o prévio conhecimento da inerente paralisação. Daí a necessidade de comprovação do evento no ato de interposição do recurso. 3. Diversamente do mero feriado local, o da segunda-feira de Carnaval afeta todo o País, indistintamente, em todas as esferas da administração pública. É, portanto, fato público e notório, induvidoso, cujo conhecimento faz parte da própria cultura do grupo social e, portanto, não pode ser legitimamente ignorado por qualquer cidadão desse grupo ou por suas instituições. Não precisa ser provado (CPC/73, art. 334, I; CPC/2015, art. 374, I), pois apenas necessitam de prova fatos controvertidos e relevantes. 4. Recurso especial conhecido, com reconhecimento da tempestividade do especial, para que se prossiga no julgamento do recurso no âmbito da Quarta Turma.”