Ninguém duvida que o volume de feitos que circulam hoje no Superior Tribunal de Justiça supera, e muito, o esperado para uma Corte de Direito, preconizada essencialmente para ser guardiã do direito posto infraconstitucional.

O relatório Justiça em números de 2022[1], do Conselho Nacional de Justiça, divulgado na primeira semana de setembro desde ano, comprova isso cabalmente ao detalhar no “Diagrama de recorribilidade e demanda processual”, que os ‘casos novos recursais’ no Superior Tribunal de Justiça representam 77% do total ou 318.458 mil.

Ou seja, definitivamente inegável o volume estarrecedor de feitos circulantes no Superior Tribunal.

Aos que militam, no dia a dia, a vultuosidade destes números está refletida na “qualidade” dos julgamentos, sendo igualmente notória a incapacidade de qualquer Tribunal ao exercício da jurisdição, bem assim, de dizer o direito de quem quer que seja em conformidade à legislação federal em vigor, com um volume de casos desta magnitude.

No entanto, a saída encontrada pela Emenda Constitucional 125[2], que altera a redação do art. 105 da Constituição Federal e cria mais filtros, agora, para estabelecer a obrigação do recorrente em demonstrar a relevância das questões de Direito Federal Infraconstitucional discutidas no caso – em que pese a euforia de algumas vozes, está longe de trazer a tranquilidade jurídica tão propagada pelos defensores da referida Emenda, quer seja aos jurisdicionados quer seja aos operadores do direito, à exceção dos Ministros do STJ.

Mais uma vez, a exemplo de muitos outros já havidos, este “novo” filtro “da relevância” vem com o compromisso de reduzir o número de processos circulantes no Superior Tribunal de Justiça, mas a pergunta que se faz é, a que preço?

Estabelecer relevância por matéria ou valor da causa (leia-se, ou tente-se ler, valor envolvido naquele bem da vida a ser tutelado) parecem ser grandes equívocos, já que não há como acreditar ou defender a ideia aos jurisdicionados, com convicção genuína, que isso fará com que aquele Superior Tribunal de Direito passe então, e a partir de agora, a desempenhar seu “verdadeiro” papel de guardião da legislação infraconstitucional, certo que, o fará apenas e tão-somente para temas específicos: direito penal, administrativo e eleitoral!

E ainda, o fará, como predestinado a fazer na Carta Magna de 1988 (quando o Superior Tribunal de Justiça foi criado), analisando a correta aplicação do direito descrito na legislação infraconstitucional, desde que, “valha” acima de 500 salários-mínimos.

Além é claro, da questão da relevância, que inclusive “batizou” a proposta de emenda constitucional antes da aprovação. Mas, enfim, o que é/ou onde está a relevância? No próprio rol dos temas constantes dos incisos? Serão interpretados taxativa ou extensivamente – questão que fatalmente será levantada.

Com todo respeito aos idealizadores e concretizadores da Emenda, alguns dizendo “uma saída contundente para a crise de congestionamento e para a avalanche de casos que chegam ao STJ[3], outros que  “a emenda promulgada dará racionalidade ao trabalho do STJ, preservando o direito e impedindo que recursos sejam usados meramente como forma de protelar um processo[4], em nossa opinião, nem uma coisa nem outra, mas certamente garantirá o inacesso à justiça.

E o inciso XXXV, art. 5º da Constituição Federal, como fica mais uma vez?

“Impedir o acesso à Justiça melhora o acesso à Justiça?”[5] Por certo que não.

A questão é tormentosa, e será ainda mais na vivência do novo texto constitucional. Nosso compromisso, Carvalho e Nishida, segue no propósito de estudar, questionar, edificar e propor pautas que possam gerar reflexão e debate para a construção de ideias que se coadunem genuinamente com um sistema democrático de direito apto a garantir o acesso à justiça.

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[1] Pagina 133, vide ‘Diagrama da recorribilidade e demanda processual’, in https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/2022/09/justica-em-numeros-2022.pdf

[2] Art. 1º – O art. 105 da Constituição Federal passa a vigorar com as seguintes alterações:

“Art. 105. […]

1º – […]

– No recurso especial, o recorrente deve demonstrar a relevância das questões de Direito Federal Infraconstitucional discutidas no caso, nos termos da lei, a fim de que a admissão do recurso seja examinada pelo Tribunal, o qual somente pode dele não conhecer com base nesse motivo pela manifestação de 2/3 (dois terços) dos membros do órgão competente para o julgamento.

3º – Haverá a relevância de que trata o § 2º deste artigo nos seguintes casos:

I – ações penais;

II – ações de improbidade administrativa;

III – ações cujo valor da causa ultrapasse 500 (quinhentos) salários mínimos;

IV – ações que possam gerar inelegibilidade;

V – hipóteses em que o acórdão recorrido contrariar jurisprudência dominante o Superior Tribunal de Justiça;

VI – outras hipóteses previstas em lei.” (NR)

Art. 2º – A relevância de que trata o § 2º do art. 105 da Constituição Federal será exigida nos recursos especiais interpostos após a entrada em vigor desta Emenda Constitucional, ocasião em que a parte poderá atualizar o valor da causa para os fins de que trata o inciso III do § 3º do referido artigo.

Art. 3º – Esta Emenda Constitucional entra em vigor na data de sua publicação.

Brasília, em 14 de julho de 2022

[3] Fala do Presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, in https://jusdecisum.com.br/filtro-de-relevancia-do-recurso-especial-vira-realidade-com-a-promulgacao-da-emenda-constitucional-125/

[4] Fala do Presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira, in https://jusdecisum.com.br/filtro-de-relevancia-do-recurso-especial-vira-realidade-com-a-promulgacao-da-emenda-constitucional-125/

[5] Lenio Luiz Streck, in https://www.conjur.com.br/2022-jul-21/senso-incomum-emenda-relevancia-exclusao-causas-irrelevantes-stj