O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Luís Roberto Barroso já afirmou em mais de uma oportunidade que houve uma transformação no papel do Judiciário no Brasil, que deixou de ser um “departamento técnico especializado” para se tornar um “poder político”[1].

Feliz ou infelizmente essa é uma verdade posta, e há muito tempo.

Quem milita no contencioso bem sabe disso e atualmente não basta ser um expert em termos técnicos de direito processual para acessar e compreender o funcionamento das cortes suprema e superior no cenário brasileiro.

Exemplo real disso é o efeito backlash.

O efeito backlash[2] no contexto do Supremo Tribunal Federal (STF)[3] se refere a uma reação negativa ou resistência que surge após uma decisão judicial controversa ou amplamente debatida que de algum modo contrarie interesses de uma classe ou grupo. Um próprio contra-ataque. Esse conceito é importante para entender como as decisões do STF podem influenciar o ambiente político e social mais amplo e vice-versa.

Quando o STF toma uma decisão que é vista como muito ousada, controversa ou em desacordo com as expectativas ou valores ‘predominantes’ na sociedade, pode haver um backlash ou reação adversa, um efeito rebote.

A resistência política é uma das maneiras disso acontecer. Talvez a mais eficiência, na medida em que legisladores podem reverter ou contornar a decisão do STF por meio de mudanças na legislação ou propostas de emenda constitucional.

Outro modo é pela mobilização de grupos ou indivíduos contra a decisão, organizando protestos, campanhas de mídia ou outras formas de pressão pública.

A decisão pode ainda influenciar a formulação de políticas públicas, com autoridades e gestores adaptando suas ações de acordo com a reação pública advinda.

Ou mesmo, a confiança na instituição pode ser abalada, levando a uma alteração na percepção pública sobre o STF e seu papel na sociedade.

Um exemplo histórico pode ser visto em decisões do STF que trataram de questões controversas como direitos fundamentais, direitos dos trabalhadores, ou questões políticas sensíveis. A reação do público e dos atores políticos a essas decisões pode, por vezes, influenciar futuras decisões ou mudanças no ambiente jurídico e político.

Compreender esse efeito é crucial para analisar o impacto das decisões judiciais[4] no sistema político e na sociedade, e para avaliar a dinâmica entre o judiciário e outras instituições.

E mais, observar os movimentos e as intenções contida nas decisões da corte suprema no sentido de evitar o backlash.

Foi o que parece ter acontecido, recentemente, em março de 2024, quando o STF afirmou que não era cabível a rescisória da União no emblemático e conhecido caso da ‘tese do século’[5], quando muito provavelmente tentou evitar o efeito backlash.

Ao decidir pelo não acolhimento da ação rescisória, muito provavelmente foi levado em consideração circunstâncias que gerariam um efeito backlash como por exemplo, tentativas de alteração legislativa ou a críticas que podem prejudicar a relação do STF com outras instituições e com a opinião pública; ainda, a ideia de que decisões controversas que são alteradas frequentemente provoca reações intensas da sociedade e do legislativo; ou mesmo decisão tão importante poderia enfraquecer a credibilidade do STF e estimular uma reação adversa de atores políticos e sociais.Parte superior do formulárioParte inferior do formulário

A questão é que um movimento nessa seara e magnitude não se passa isoladamente, haja vista que o Superior Tribunal de Justiça suspendeu rescisórias[6] para que haja unificação.

Há registros de sucesso dos pedidos de rescisão feitos pela Fazenda, em julgamentos de procedência para aplicar a modulação da “tese do século” nos Tribunais Regionais Federais da 3ª, 4ª e 5ª Regiões.

O STJ tem, até o momento, apenas um precedente colegiado. A 2ª Turma entendeu que não poderia analisar o mérito do recurso contra a rescisória porque envolveu a aplicação da “tese do século” ao caso concreto. Por se tratar de tema constitucional, a análise só poderia ser feita pelo Supremo.

Já o STF até agora tem ao menos três decisões monocráticas em que também recusa a análise dos recursos extraordinários contra essas rescisórias. Elas foram proferidas pelos ministros Nunes Marques, Luís Roberto Barroso e Gilmar Mendes.

Eles entendem que a invocação do princípio constitucional dos limites da coisa julgada não possui repercussão geral por representar ofensa reflexa à Constituição e que o próprio cabimento da rescisória é tema infraconstitucional, por envolver normas do Código de Processo Civil.

De outro lado, o STJ entende que não pode julgar porque o tema é constitucional. E o Supremo diz que não pode julgar porque a ofensa à Constituição é reflexa.

Um triste impasse!

E eis um ponto de extrema necessidade de reflexão.

Quantos, a exemplo deste caso tão midiático, de menor conotação e expressão pública passam diariamente por isso.

Um ponto que todos concordam: a qualidade do serviço de justiça e os rumos que toma o judiciário nacional passa pelo excesso de judicialização! É um fato. Como mudá-lo?

A solução integral, se é que ela existe, passa por um diálogo mais que pluridimensional certamente. Mas olhar para o problema e pensar sobre ele é o primeiro movimento capaz de gerar uma mudança no futuro.

Nós, da Carvalho Nishida, estamos atentos a todos esses movimentos e debatemos diariamente com nossos clientes os reflexos e efeitos amplos da judicialização nas cortes superiores, enaltecendo os riscos e cuidados na busca dos melhores resultados.

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[1]https://www.jusbrasil.com.br/noticias/o-judiciario-passou-a-ser-um-poder-politico-afirma-ministro-barroso/1894743353

[2] Termo cunhado na doutrina norteamericana com o mesmo sentido judicial aplicado aqui.

[3] https://www.cjf.jus.br/caju/Efeito.Backlash.Jurisdicao.Constitucional_4.pdf

[4] https://www.cjf.jus.br/caju/Efeito.Backlash.Jurisdicao.Constitucional_1.pdf

[5] A “tese do século” refere-se a uma decisão importante do STF em 2017 que excluiu o ICMS da base de cálculo do PIS e Cofins.

[6]https://www.conjur.com.br/2024-mar-22/stj-suspende-rescisorias-sobre-modulacao-da-tese-do-seculo-para-unificar-posicao/