O tema é, e sempre foi, sensível, polêmico e divisor de opiniões.

No último 28/09/23, o Superior Tribunal de Justiça, ao julgar o REsp 2.045.637 – SC (2021/0312152-5), cravou mais uma vez o entendimento de que, nos seguros de pessoas, dentro do qual se inclui a cobertura de acidentes pessoais, é desnecessária a discussão acerca da ocorrência ou não de eventual agravamento do risco pelo segurado, bastando, para que o segurador conceda a indenização por aquela cobertura, quando esteja evidenciado o sinistro decorrente de causas não naturais, o nexo de causalidade e o óbito do segurado.

O entendimento reforça o também recente (de dezembro de 2022) entendimento da Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça ao julgar REsp 1.999.624/PR[1], DJe 02/12/2022, que por sua vez ratificou o entendimento trazido nos EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM RECURSO ESPECIAL N. 973.725-SP (2013/0016348-9)[2], que deu provimento à divergência instaurada para firmar a posição, segundo a qual “a cobertura do contrato de seguro de vida deve abranger os casos de sinistros ou acidentes decorrentes de atos praticados pelo segurado em estado de insanidade mental, de alcoolismo ou sob efeito de substâncias tóxicas, ressalvado o suicídio ocorrido dentro dos dois primeiros anos do contrato”.

A ideia por trás deste fundamento reside, substancialmente, no fato de entender o STJ que a exclusão de coberturas nos seguros de vida deve ser interpretada restritivamente, sob pena de esvaziar a própria finalidade do contrato, uma vez que “é da essência do seguro de vida um permanente e contínuo agravamento do risco segurado“, como afirma[3] a ministra Nancy Andrighi, relatora do REsp 2.045.637 – SC.

Neste contexto, inegavelmente, ao art. 768 do CC[4] é dada interpretação que o desnatura, em nosso entender.

Não é de hoje que o agravamento intencional do risco, referido no artigo 768 do Código Civil tem sido erigido à condição de inexistente pela jurisprudência nacional sempre que a ele é dada interpretação que exige prova diabólica e, portanto, impossível ao segurador.

Também não se tem dúvida que o art. 768 do CC deve atuar em consonância ao art. 765 do CC, inerente à conduta de boa-fé esperada pelos contratantes, no entanto, não parece crível ou razoável que um exista, exclusivamente, em razão do outro, ou como sucedâneo de reforço normativo, como pondera a Relatora Ministra Nancy Andrighi[5].

Ora, o instituto do agravamento relaciona-se, como o próprio vernáculo incita, a que haja conduta praticada pelo segurado e que potencialize a possibilidade de ocorrência do sinistro.

Ademais, o Código Civil, ao dispor sobre o agravamento do risco pelo segurado assim o faz nas “disposições gerais”, de modo que, do ponto de vista legislativo, não há legitimidade no enquadramento deste viés de conduta do segurado, que o relacione com exclusividade ao ramo de seguro de danos (como é o caso do seguro de veículos), como trazido pela jurisprudência contemporânea do Superior Tribunal de Justiça.

O argumento de que, pensamento diverso, desvirtuaria a função social do contrato de seguro de vida, data máxima vênia, também não socorre ao fundamento utilizado. Do outro lado da balança há, inegavelmente, a ‘tutela’ social de circunstâncias altamente condenáveis como a direção sobre o efeito de álcool, um ilícito de trânsito (com previsão em lei federal – CTB), para que se dê um exemplo ostensivo e, infelizmente, bastante comum.

A discussão é vasta e comporta muitos outros argumentos e contra-argumentos. E, exatamente por isso, a despeito do entendimento atual esposado pelo Superior Tribunal de Justiça, e sobremaneira pelos fundamentos em que se apoiam, merece ainda maior debate.

Enquanto isso, a considerar que o Brasil tem se esforçado a ser (ainda sem muito êxito, é bem verdade), um país de precedentes, aos seguradores, importante considerar os julgados mencionados no momento da regulação de sinistro desta temática, para inserir no risco de eventual negativa, a chance de reverso e elevação do custo operacional acrescido dos encargos de uma disputa jurisdicional perdida.

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[1] Que estabeleceu: “o agravamento do risco pela embriaguez, assim como a existência de eventual cláusula excludente da indenização, são cruciais apenas para o seguro de coisas, sendo desimportante para o contrato de seguro de vida, nos casos de morte”.

[2] RSTJ 250-Tomo1(VersãoFinal.indd

[3] Seguro de acidente pessoal e agravamento do risco (stj.jus.br)

[4]o segurado perderá o direito à garantia se agravar intencionalmente o risco objeto do contrato

[5]Nancy Andrighi ponderou que a vedação prevista no artigo 768 do CC – segundo a qual “o segurado perderá o direito à garantia se agravar intencionalmente o risco objeto do contrato” – existe em razão do dever de agir com boa-fé (artigo 765 do CC). Evita-se, segundo ela, que o segurador seja compelido a responder injustamente por outros riscos que não os acordados inicialmente em vista de certas situações fáticas – o que, em última análise, acabaria por afetar o equilíbrio da mutualidade dos segurados”. In, Seguro de acidente pessoal e agravamento do risco (stj.jus.br)