Muito se fala que o Brasil é um dos países com o seguro mais caro no mundo e a inclusão da população com menor poder aquisitivo era um desafio para o mercado securitário, a exemplo do que ocorria no mercado financeiro. Diante das despesas administrativas necessárias a estrutura do negócio, assim como as demais taxas finais repassadas ao consumidor final, havia uma dificuldade na viabilização em massa desses produtos, fazendo com que não fosse acessível a parcela da população, especialmente a mais vulnerável e necessitada desse tipo de serviço de suporte e garantia financeira.

Algumas experiências surgiram e foram bem-sucedidas ao longo dos anos, mas foi com o uso da tecnologia e o crescimento das fintechs e insurtechs que a concessão de microcréditos e microsseguros passou a ser mais viável economicamente, através de um modelo de negócio com custo envolvido mais baixo e que poderia atender riscos que bancos e seguradoras mais tradicionais não tinham interesse em atender por conta das despesas com a máquina administrativa.

Tendo em conta essa nova realidade e a possibilidade de atender a população de baixa renda e microempreendedores, a Superintendência de Seguros Privados – SUSEP, observando diretrizes governamentais e tendências mundiais de inclusão social, procurava implementar ações que incentivassem a comercialização de produtos simplificados e de baixo custo. Uma dessas iniciativas foi a Circular SUSEP 267/2004[1], que tratava do seguro popular.

Porém, conforme orientações da SUSEP, seguro popular e microsseguro são produtos diferentes. O primeiro designa produtos massificados com importâncias seguradas e prêmios de pequeno valor, ou seja, atenderia a todos os tipos de consumidores, tendo como particularidade apenas ser de pequeno valor; enquanto o segundo estaria direcionado, aí sim, ao público de baixa renda[2], com finalidade de inclusão social e possibilitar estabilidade financeira para a população mais vulnerável e que não tinha condições de custear seguro nos preços até então praticados pelo mercado segurador.

Tendo isso em mente, foi a partir de 2011, com a edição da Resolução CNSP 244/2011[3], que passaram a ser editados normativos relativos ao microsseguro (“proteção securitária
destinada à população de baixa renda ou aos microempreendedores individuais na forma estabelecida pela Lei Complementar nº 123/2006
”).

Assim, os microsseguros não podem ser entendidos apenas como seguros com preços populares, visto que são regidos por uma legislação própria dentro da SUSEP[4], inclusive com condições para autorização e funcionamento específicas a esse tipo de operação (Circular SUSEP 439/2012)[5].

Ambos podem se utilizar de preços mais baixos, possibilidade de venda remota, poucas exclusões, menor limite máximo de valor segurável, flexibilidade de pagamento e emissão simplificada de bilhetes, através de medidas que minimizem despesa administrativa e tenham apelo mercadológico, mas enquanto um se dirige a população em geral, que busca, por vezes, mais comodidade, agilidade e riscos mais específicos, o outro se dirige a população menos favorecida.

Feita essa breve exposição, esse movimento de transformação digital que estamos vivenciando tanto com as seguradoras como as insurtechs, não pode ser confundido com ações direcionadas à viabilização do microsseguro, pois, como vimos, este último está voltado às necessidades específicas das famílias de baixa renda e segue regramento próprio pela SUSEP.

Em outras palavras, o simples fato de que produtos estão sendo disponibilizados pelo mercado segurador com preços mais acessíveis e atendimento desburocratizado, isso por si só não significa a propagação dos microsseguros, mas sim atender um público consumidor que busca cada vez mais agilidade na contratação e na utilização dos serviços, assim como menor preço.

Por outro lado, com a popularização dos seguros contratados por meio digital, o desenvolvimento dessa tecnologia e o know how relacionado ao uso de dados, possibilita que os custos administrativos se tornem mais baixos e a oferta de produtos destinados à população de baixa renda se torne mais atraente ao mercado segurador, que passa a verificar uma viabilidade econômico-financeira nos microsseguros e também ampliar a oferta de seguros populares.

Conclui-se que, apesar de não ser a sua finalidade essencial, ao contrário do que ocorre com os microsseguros, a inclusão social é observada nos seguros populares e em alguns seguros contratados por meio digital, visto que a diminuição dos preços pela redução dos custos administrativos permite que sejam acessíveis a uma parcela da população que antes não tinha condições de contratar. Porém, o fato de que essa finalidade é atingida, isso não desnatura a modalidade do produto e os regramentos que lhe são próprios.

Nós, da Carvalho Nishida, primamos pela qualidade técnica e observância dos regramentos próprios do mercado segurador, especialmente aqueles emitidos pelo órgão responsável pelo controle e fiscalização do mercado de seguros – SUSEP, pois, além da necessidade dos profissionais de direito estarem atentos a essa realidade digital, necessário que não se perca o apego ao conhecimento técnico e jurídico para adequar corretamente a legislação vigente aos produtos ofertados, a fim de não incorrer em impropriedades técnicas ou, pior, punições administrativas por inobservância do regramento específico.

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[1] http://www.susep.gov.br/textos/circ267.pdf

[2] http://www.susep.gov.br/menu/informacoes-ao-publico/microsseguros-1

[3] https://www2.susep.gov.br/safe/scripts/bnweb/bnmapi.exe?router=upload/9845

[4] http://www.susep.gov.br/setores-susep/noticias/noticias/2012/microsseguro-baixa-renda-passa-a-contar-com-contratos-de-seguro

[5] https://www2.susep.gov.br/safe/scripts/bnweb/bnmapi.exe?router=upload/10319