Quando da edição da súmula 609 do Superior Tribunal de Justiça, em abril de 2018, a primeira sensação foi a de que toda e qualquer negativa por preexistência poderia não mais ter qualquer respaldo jurídico, em disputas judiciais, sequer oportunidade de debate nas ações judiciais, quando não houvesse tido a exigência de exame prévio ao Segurado, pelo Segurador, no momento da contratação.

No entanto, passados aproximadamente três anos da edição da Súmula, momento em que já houve algum tempo de maturação, de “experimentá-la” na jurisprudência das instâncias ordinárias, sobremaneira, ao que parece, aquele temor inicial, pode-se dizer, não se confirmou.

Muito embora os enunciados normativos dos arts. 765 e 766 do Código Civil já disciplinassem o dever de boa-fé dos contratantes na celebração e durante o contrato de seguro, especificando, inclusive, o dever legal do segurado em fazer declarações exatas e em conformidade com o seu real estado de saúde, ainda assim, intencionava a Súmula, afastar a princípio esta discussão (sobre a boa-fé do segurado nas declarações de saúde) normatizando solução atrelada à ocorrência do exame prévio.

É dizer, não tivesse o Segurador exigido tais exames de saúde previamente à aceitação do risco, não poderia negar a cobertura securitária calcado na eventual hipótese de que o Segurado era portador de doença preexistente e não a declarou no momento da contratação.

Mas, a parte final textual da Súmula contempla a situação alternativa “…. ou a demonstração de má-fé do segurado”, como condição para licitude da negativa pela Seguradora, ao identificar, na regulação, que se trata de doença preexistente não declarada.

Naquele momento inicial, em que a Súmula foi editada e entrou em vigor, não se sabia ao certo como a jurisprudência se comportaria perante esta parte final enunciada nesta Súmula 609, já que a primeira parte, certamente, havia sido editada para não mais provocar discussões no tema, atendendo ao propósito sumular, de pacificar as questões.

O fato é que, o que temos visto é sim, e felizmente, a abertura de palco para análise e diálogo amplo e contraditório no que toca a parte inerente à conduta do Segurado. Ou seja, muito embora a súmula fale de “demonstração de má-fé”, o que é diferente de provar a ausência de boa-fé (em nosso entender), ainda sim, o que se tem visto é a prolação de decisões de primeiro e segundo graus que, “a despeito da súmula 609”, têm entendido pela licitude da negativa nas hipóteses em que se tem comprovado a ausência de boa-fé do Segurado ao omitir circunstância que pudesse interferir na aceitação do risco pelo Segurador.

Nesse particular, em nossa percepção, pouco mudou no dia-a-dia a defesa desta temática, nas disputas judiciais, uma vez que, mesmo antes da edição da Súmula, o que sempre legitimou a negativa do Segurador por preexistência foi a demonstração casuística e contextual envolvida em cada caso.

A título de exemplo, em alguns dos vários casos em que atuamos (após a edição da Súmula 609) e que tivemos oportunidade de defender sua não incidência, diante da demonstração de que o Segurado não agira no dever legal e com a boa-fé esperada, obtivemos decisão favorável aderente à correta aplicação dos do art. 765 e 766 do CC, repita-se, a despeito da existência da Súmula 609 do STJ, assim mencionado pelo acórdão proferido.

Nós, da Carvalho Nishida, estamos sempre atentos à aderência e reflexos práticos e reais das recentes súmulas editadas nos temas de direito do seguro, de modo a prevenir nossos clientes e auxiliá-los para as melhores tomadas de decisões, não só na estratégia de solução de conflitos judiciais, mas também, e previamente, na regulação dos sinistros e até na revisão dos clausulados quando esses enunciados sumulares possam neles impactar.

1 Súmula 609: A recusa de cobertura securitária, sob a alegação de doença preexistente, é ilícita se não houve a exigência de exames médicos prévios à contratação ou a demonstração de má-fé do segurado.

Art. 765. O segurado e o segurador são obrigados a guardar na conclusão e na execução do contrato, a mais estrita boa-fé e veracidade, tanto a respeito do objeto como das circunstâncias e declarações a ele concernentes.

2 Art. 766. Se o segurado, por si ou por seu representante, fizer declarações inexatas ou omitir circunstâncias que possam influir na aceitação da proposta ou na taxa do prêmio, perderá o direito à garantia, além de ficar obrigado ao prêmio vencido.
Parágrafo único. Se a inexatidão ou omissão nas declarações não resultar de má-fé do segurado, o segurador terá direito a resolver o contrato, ou a cobrar, mesmo após o sinistro, a diferença do prêmio.

3 TJRS apelação Nº 70082490277 (Nº CNJ: 0220936-91.2019.8.21.7000) 2019/CÍVEL; TJDF APELAÇÃO 0712373-23.2018.8.07.0001