Embora nos pareça que o mercado Segurador esperasse com certa tranquilidade a definição do Tema 1068 inerente à confirmação da legalidade da cobertura de invalidez funcional por doença (IFPD), mediante o recente julgamento dos Recursos Especiais 1.867.199/SP e 1.845.943/SP (13.10.2021), apreciados em conjunto dada a afetação ao rito dos repetitivos, sem dúvida alguma a conquista deve ser celebrada.

A expectativa positiva advinha do fato de ser o relator dos referidos recursos especiais afetados, o Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, quem, em 2015, “puxou a fila” em prol do reconhecimento da legalidade da cobertura, no julgamento do REsp 1.449.513/SP.

 A bem da verdade, a cobertura IFPD, normatizada pela Susep, com a edição da circular 302/05, que sucedeu a sua antecessora, a cobertura IPD (invalidez permanente total por doença), já nasceu enfrentando uma notória resistência perante os Tribunais de todo Brasil desde então.

Naquela oportunidade era altíssimo o coro do Judiciário Brasileiro que entoava a existência de abusividade na cobertura, já que sua antecessora IPD tinha cobertura atrelada à causa de invalidez laboral, enquanto a IFPD passou a exigir a “perda da existência independente”, entendendo-se daí a exigência de que a condição do segurado para obtenção da cobertura fosse praticamente inerente ao “estado vegetativo”.

Olhando em retrospectiva, portanto, foram pelo menos dez anos[1] de muitos debates e discussões juridicamente fundamentadas para a transformação do entendimento, agora consolidado com o Tema 1068 do STJ.

E, de fato, visitando muito brevemente a gênese dessa cobertura, historicamente, mesmo a IPD enfrentou ao longo de duas décadas, bastante resistência e dissonância de interpretação e aceitação, uma vez que sua edição (pela circular 17/92) foi contemporânea à edição do Código de Defesa do Consumidor (1991), momento em que toda a sociedade e universo jurídico tinham holofotes voltados para um olhar efervescente para os direitos individuais dos cidadãos na qualidade de consumidores.

O eixo de judicialização dos termos do contrato de seguro naquela oportunidade estabeleceu-se em interpretar a invalidez do segurado passível de obtenção da cobertura como decorrente da sua atividade laborativa principal, contrariando disposições regulatórias, inclusive, que estabeleciam como condição de cobertura a invalidez para ‘toda e qualquer atividade laborativa’, e não apenas a principal.

Dessa perspectiva, de fato, compreende-se melhor o cerne das discussões que culminaram, agora, com pacificação do tema, concluindo pela legalidade da cobertura de IFPD que, a despeito de ser mais restritiva, inegavelmente, está desvinculada do contexto de abusividade ao consumidor, desde que haja clareza nas informações prestadas, além do que, não se trata de cobertura obrigatória, certo ainda que a “hipótese de limitar a liberdade de definição de seu escopo pelas seguradoras pode trazer consequências nocivas aos próprios consumidores, tanto em termos de preço quanto em termos de não oferecimento de cobertura pelo mercado operador[2].

Eis, portanto, o inteiro teor do tema 1068: “Não é ilegal ou abusiva a cláusula que prevê a cobertura adicional de invalidez funcional permanente total por doença (IFPD) em contrato de seguro de vida em grupo, condicionando o pagamento da indenização securitária à perda da existência independente do segurado, comprovada por declaração médica”.

Além do mais, a partir de agora, a existência formal do “Tema 1068”, como resultante do entendimento firmado em incidente de resolução de demandas repetitivas, a princípio, poderá acarretar no cotidiano das disputas judiciais na improcedência de plano, nos termos do inciso III do art. 332 do CPC, independentemente de citação da Seguradora, na hipótese em que o pedido inicial se coloque exclusivamente com fundamento na abusividade da natureza dessa cobertura.

No entanto, na prática, a nosso ver, será de rara ocorrência, na medida em que as discussões judiciais sobre o tema orbitam na hipótese de caracterização ou não da invalidez nos termos do contrato e não apenas quanto à sua legalidade.

Ou mesmo, à luz do art. 356 do CPC, que permite julgamento parcial de mérito, interpretado sistematicamente com o art. 332 também do CPC, poder-se-á extirpar da lide, de plano, a porção inerente à discussão da legalidade, seguindo a demanda, apenas, com a discussão da outra porção do mérito, inerente ao enquadramento ou não da cobertura propriamente dita.

Novas conquistas, novos desafios! Nós, do Carvalho Nishida, estamos aqui prontos aos desafios!

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[1] Fls. 13 do acórdão do RECURSO ESPECIAL Nº 1.867.199 – SP

[2] Considerados de 2005 com o surgimento da cobertura até 2015, quando de alguma forma já o REsp 1.449.513/SP assentou o entendimento da legalidade da cobertura;